Companheiro de pesca





Foi no fim do domingo. E contextualizar é importante porque geralmente os fins de domingo são regados a tédio ou tristezinha passageira. Era pra ser uma conversa qualquer, um papo pra acompanhar o café da tarde, servido impreterivelmente no mesmo horário.

Ele me olhou mais piedoso do que de costume, os olhos marejados do alto dos seus 74 e a delicadeza, que lhe é peculiar, multiplicou-se em cinco. Confessou que o amigo estava adoentado, detalhou o quadro, as complicações e as poucas chances diante do diagnóstico ameaçador. Como sempre, não esqueceu nenhuma informação. No fim, respirou fundo, a lágrima quase caindo, e confidenciou: "Sabe, Lívia, ele foi o melhor companheiro com quem pesquei. Se a gente virasse a noite e nada de peixe, ele dizia, animado, pra pescarmos em outro lugar. Ele me ajudava a guardar a canoa e, se ela virava, era ele quem me auxiliava. Ele foi o melhor companheiro que já tive…"

Fiquei engasgada e quando pensei em abraçar meu sogro, ele emendou: "Amanhã vou visitá-lo novamente; passar a tarde com ele."

A prosa mudou de rumo quando os filhos chegaram com outros assuntos pra pauta. Mas, a conversa ficou aqui dentro por bastante tempo, me dizendo que na vida o menos importante é a quantidade de peixes que se pescou. Importa é pescarmos acompanhados (de preferência, com o melhor companheiro) e, em qualquer circunstância, ajudar a virar a canoa, ainda que pela última vez.

 

Foto: Bruna Ferencz

Um comentário:

  1. Registros como esses me fazem desacelerar e olhar pros lados, pros amigos e amores, e processar vários significados.
    Obrigada por compartilhar! Beijo!

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